A decisão proferida pela Justiça do Rio de Janeiro na última quarta-feira (08), a qual mandou retirar do ar o especial de Natal do grupo Porta dos Fundos intitulado “A Primeira Tentação de Cristo”, tem sido criticada por alguns, especialmente pela mídia ligada à esquerda, como um ato de “censura”. Mas, será mesmo?

Primeiramente é preciso entender o que é censura, de fato. Em segundo, diferenciar o fazer justiça do ato de censura. De forma simples, censura é o ato arbitrário de vetar, privar, proibir, restringir um grupo ou alguém de algo. O “X” da questão está no “ato arbitrário“. O que é isso?

“Arbitrário” é tudo o que não possui fundamento e, portanto, não está amparado em uma lógica. A censura tem como principal característica a arbitrariedade, pois ela visa os interesses de alguém ou de um grupo, independentemente dos seus fundamentos.

Imagine você ser impedido de ter acesso a um livro ou filme específico, mas ao questionar o motivo a resposta ser simplesmente um “porque sim”, sem qualquer justificativa lógica fundamentada em fatos. Isso é censura! 

O fazer justiça

A diferença da censura para o fazer justiça está no fato de que uma decisão judicial que visa restringir algo está amparada em preceitos jurídicos que visam garantir outros direitos. Isso, porque, a mesma Constituição Federal (C.F) que garante à liberdade de expressão, também condiciona essa liberdade à uma série de direitos alheios.

São direitos alheios, por exemplo, os direitos à honra, à imagem e ao sentimento religioso. É por isso que ao assegurar “a livre manifestação do pensamento”, a C.F também “veda o anonimato” e assegura “o direito de resposta”, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, IV e V).

Ora, entenda a lógica constitucional: a vedação do anonimato tem por única finalidade a identificação dos sujeitos que, abusando da própria liberdade de expressão, podem cometer crimes contra os direitos alheios.

É verdade que no Título da Ordem Social, o art. 220 dispõe que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”.

Mas também é verdade que o trecho em destaque está condicionado ao seu complemento, que diz: “Observado o disposto nesta Constituição”. Esses dispostos são justamente os condicionantes da liberdade de expressão e manifestação do pensamento, tais como os direitos à honra, à imagem e ao sentimento religioso, também assegurados pela C.F.

Não é censura condenar o crime

Com base na explicação acima está fácil compreender que a decisão judicial que determinou a suspensão do especial da Porta dos Fundos se diferencia da censura, simplesmente porque o tal “especial de Natal” foi enquadrado como um ato de vilipêndio à fé dos cristãos. Portanto, sendo considerado um crime com base no artigo 208 do Código Penal Brasileiro.

O referido artigo afirma que é crime “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso“.

Vilipendiar é o mesmo que depreciar, rebaixar, zombar, escarnecer. É todo ato que tem como objetivo descaracterizar o objeto de culto de forma pejorativa. “Objeto de culto”, por sua vez, pode ser uma simples cruz, a figura de Jesus Cristo, imagem de uma santa ou livro considerado sagrado.

O mérito do “sagrado” não está no objeto, mas no sentimento religioso transferido a ele. Este objeto pode ser qualquer coisa, desde que seja venerado como sagrado por um sistema de crenças, sendo alvo de culto, ele se torna protegido pela Constituição.

Não é por acaso, por exemplo, que o abaixo-assinado organizado contra a Porta dos Fundos já está alcançando quase 2,5 milhões de assinaturas. Esse número gigantesco de reações é uma prova contundente de que o sentimento religioso da população cristã foi afetado pelo “especial”.

Isso porque ao retratar Jesus “gay”, além de envolver Maria e Deus em um triângulo amoroso em um enredo onde a intenção de zombar e descaracterizar os símbolos religiosos é gritante, os membros da Porta dos Fundos ultrajaram publicamente os maiores “objetos” de culto do cristianismo, visto que para os cristãos eles são sagrados, venerados e cultuados.

Neste caso, não importa o que os membros da Porta dos Fundos pensam, acreditam ou não. Importa tão somente que o que eles pensam e fazem está condicionado ao artigo 208 do Código Penal, o qual tem por objetivo exclusivo proteger o sentimento religioso alheio.

Foi justamente essa linha de raciocínio adotada pelo desembargador Benedicto Abicair, da sexta Câmara Cível do TJ-RJ, a pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura. Ele entendeu que uma vez configurado o crime de vilipêndio à fé alheia, o especial da Porta dos Fundos deve ser suspenso.

Portanto, isto definitivamente não é censura, mas uma decisão judicial fundamentada nos condicionantes jurídicos que regulam o correto exercício da liberdade de expressão, de pensamento e arte, os quais levam em consideração a necessidade do respeito mútuo e a diferença entre conteúdos críticos e ofensivos.