O presidente Jair Bolsonaro anunciou em sua última live semanal (18) que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de revogar alguns decretos estaduais considerados abusivos por ele durante o combate à pandemia do Covid-19.

Essa foi, aparentemente, a “resposta” que o presidente prometeu à população na noite de quarta-feira, quando citou às manifestações do domingo (14). Segundo o presidente, a liberdade da população tem sido violada por causa de restrições que visam supostamente combater o avanço da pandemia, o que justificaria o ingresso da ADI.

Mas, apoiadores do presidente não parecem ter comemorado muito o anúncio da ADI, e isso por um motivo compreensível: alegam que o recurso “não dará em nada”, uma vez que ele dependerá do julgamento dos ministros do STF, os quais têm reiteradamente indicado oposição ao Governo Federal, especialmente no tocante à gestão da pandemia.

Mas, por acaso Bolsonaro seria tão ingênuo ao ponto de não prever esse resultado? Se não é, o que explicaria o ingresso da ADI mesmo diante uma derrota judicial praticamente certa? Veja abaixo:

Entendendo a possível estratégia

De fato, esperar que os ministros do STF (notadamente críticos de Bolsonaro) julguem favorável ao presidente o recurso da ADI é improvável. Mesmo com o peso da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério da Justiça, que embasam a ação, o resultado de tal análise parece muito previsível, certo?

Todavia, Bolsonaro não parece ser o tipo de político (e militar) que dá passos sem prever às consequências. Uma das principais críticas do presidente no tocante à pandemia tem sido justamente a decisão tomada pelo STF em abril de 2020, a qual delegou “autonomia” aos estados e municípios para tomar suas próprias medidas nesse momento.

“O Supremo decidiu que as competências são concorrentes. A palavra é bonita, mas quem decide no fim não sou eu, é o prefeito. Se o governador não quiser fechar é o prefeito que decide”, afirmou Bolsonaro em março de 2020.

De fato, a decisão do Supremo resultou no que estamos vendo hoje em todo o Brasil: decretos e mais decretos tomados por governadores e prefeitos, cada qual resolvendo fazer a seu próprio modo o que considera “lockdown”, proibindo a circulação de pessoas (toque de recolher) e até mesmo determinados tipos de consumo nas prateleiras dos supermercados.

O STF, por sua vez, tentou minimizar a sua responsabilidade pelos efeitos desastrosos da sua decisão em abril passado, alegando que não retirou do Executivo o poder para agir e coordenar ações na pandemia, conforme noticiou o Valor.

Ora, evidentemente, o poder do presidente realmente não foi retirado literalmente. Todavia, ao julgar que as esferas federal, estadual e municipal são “concorrentes”, é lógico que NA PRÁTICA a capacidade de controle e gestão do Governo Federal foi prejudicada, visto que qualquer orientação do Executivo no tocante à pandemia poderia/pode ser simplesmente recusada pelos gestores locais em nome da tal “autonomia”.

Foi exatamente o que aconteceu, por exemplo, quando o Ministério da Saúde propôs em novembro de 2020 a adoção do tratamento imediato contra o coronavírus (veja aqui),  algo que já vinha sendo defendido pelo então ministro Eduardo Pazuello desde o início da sua gestão a frente da Saúde. O que o Governo recebeu em troca? Negacionismo do tratamento, críticas e uma campanha midiática massiva contra o protocolo.

Como resultado, até mesmo às recomendações do Ministério da Saúde foram retiradas do ar, como você pode notar na matéria do Opinião Crítica, onde a postagem da campanha da pasta no Twitter simplesmente não aparece mais, porque foi EXCLUÍDA!

Conclusão

Diante dos fatos aqui expostos, é quase certo que ao entrar com uma ADI no STF, Bolsonaro esteja querendo colocar os ministros contra a parede, a fim de que eles façam um julgamento que poderá “comprovar” ou não a tese do Governo sobre a decisão tomada por eles em abril de 2020, aumentando ainda mais a parcela de responsabilidade dos magistrados sobre a crise atual.

Em outras palavras, se o STF for contra Bolsonaro e favorável aos decretos dos governadores, estará corroborando com a visão do presidente de que o seu poder foi prejudicado, reforçando o argumento de “concorrência” entre os entes federativos.

Na prática, se tal julgamento for confirmado, sem dúvida isso dará a Bolsonaro maiores argumentos contra os críticos da sua gestão na pandemia, visto que ele poderá usar a decisão dos ministros para justificar a responsabilidade dos gestores locais.

Além disso, considerando uma possiblidade extrema, o presidente também poderá usar a decisão do STF como fundamento para decretar Estado de Defesa no país, alegando que o seu poder foi/está solapado pelo poder Judiciário frente aos estados e municípios.

À ADI, portanto, pode ser nada mais do que uma armadilha política e judicial montada pelo Governo contra a oposição e o próprio STF, visando legitimar perante a sociedade (que em sua maioria apoia o presidente) e o Congresso (agora com Bia Kicis na CCJ e Maia fora do caminho), alguma possível reação mais extrema do Planalto em caso de revolta generalizada em nível nacional.