A divulgação de que a ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB), também ex-candidata à vice-presidência da República no ano passado, foi a intermediária entre o hacker Walter Delgatti Neto, o “Vermelho”, e o jornalista Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, pode ter sido o que faltava para a Polícia Federal enquadrar os envolvidos na Lei de Segurança Nacional.

A linha divisória entre o jornalismo e o crime é o não envolvimento – direta ou indiretamente – do jornal ou profissional na execução do ato criminoso. Em outras palavras, o jornalista que alega a proteção do seu trabalho mediante o direito ao sigilo da fonte, perde essa justificativa quando “participa” de alguma forma da produção de conteúdo originados do crime, quer seja produzindo ou simplesmente incentivando o ato.

Glenn Greenwald, editor do Intercept, alega que ele apenas publicou o material obtido pelo hacker Walter Delgatti Neto. Todavia, o “Vermelho” confessou que entrou em contato com Manuela D’Ávila para obter o contato do jornalista, que por sua vez teria recebido o material fruto do crime de invasão de privacidade só após o conhecimento da ex-parlamentar.

A ação de Manuela D’Ávila muda completamente o viés “jornalístico” do Intercept, visto que a mesma, não exercendo jornalismo, mas sendo uma figura notável da esquerda no Brasil, tendo concorrido à eleição presidencial (vice de Haddad) contra o atual governo no ano passado e defensora do “Lula livre”, deixou evidente a intenção particular na mediação do hacker com Greenwald.

A lei sobre o sigilo da fonte

Ora, o artigo 5º, XIV, da Constituição Federal deixa claro que o sigilo da fonte deve ser resguardado apenas na condição do “exercício profissional”, evidentemente, de jornalismo (“…acesso à informação”):

“XIV – e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional“, diz o texto, com destaque nosso.

Isto significa que qualquer divulgação de material fruto de ato criminoso que tenha como finalidade atender interesses pessoais, por exemplo, por viés político-partidário, se configura no mínimo crime de receptação, sem contar a possibilidade de colaboração com a própria execução do ato, o que agrava a situação dos envolvidos.

É justamente por estar ciente disso que Manuela D’Ávila já alegou em nota divulgada nesta sexta (26) que é jornalista, estando, portanto, “apta a produzir matérias com sigilo de fonte”. De fato, Manuela é formada em jornalismo. Todavia, a lei é taxativa ao especificar a necessidade do “exercício profissional”, o que invalida a declaração, visto que a carreira da ex-parlamentar é política.

Não se pode usar como álibi um título de formação sem o exercício da profissão, ainda mais quando é de amplo e incontestável reconhecimento público que Manuela D’Ávila fez da política a sua carreira, de fato. Ao dizer que é jornalista, no entanto, ela tentar afastar o seu envolvimento como figura política do ato criminoso, o qual ela teria a obrigação de denunciar ao tomar conhecimento, o que não fez.

Outra tentativa de justificar a mediação do criminoso (hacker) com o Intercept Brasil é a alegação de que o material conteria dados de irregularidades cometidas pelos agentes da Lava Jato. Ou seja, ela tenta fazer parecer que agiu pelo bem público. Entretanto, tal alegação só piora a situação de Manuela, visto que assim ela confessa o seu viés ideológico na ação, e por quê?

Porque não cabe à Manuela, nem ao Intercept Brasil, julgar se há ou não irregularidades no material roubado pelo hacker, sem que exista um parecer oficial da justiça. Esse julgamento pertence justamente às autoridades, algo que poderia ser feito se o hacker fosse devidamente denunciado e o material periciado, o que não ocorreu.

Ao invés de denunciar o crime quando tomou conhecimento, Manuela articulou contato com Greenwald, deixando claro seu interesse – particular – na exposição do material, mesmo ciente de que ele foi obtido por meios ilegais, tornando-se então cúmplice do crime.

Lei de Segurança Nacional 

A lei Nº 7.170, de  14 de dezembro de 1983, mais conhecida como “Lei de Segurança Nacional”, é muito clara em seu texto quando estabelece que é crime:

“Art. 13 – Comunicar, entregar ou permitir a comunicação ou a entrega, a governo ou grupo estrangeiro, ou a organização ou grupo de existência ilegal, de dados, documentos ou cópias de documentos, planos, códigos, cifras ou assuntos que, no interesse do Estado brasileiro, são classificados como sigilosos.

Pena: reclusão, de 3 a 15 anos.

Parágrafo único – Incorre na mesma pena quem:

I – com o objetivo de realizar os atos previstos neste artigo, mantém serviço de espionagem ou dele participa;

II – com o mesmo objetivo, realiza atividade aerofotográfica ou de sensoreamento remoto, em qualquer parte do território nacional;

III – oculta ou presta auxílio a espião, sabendo-o tal, para subtraí-lo à ação da autoridade pública;

IV – obtém ou revela, para fim de espionagem, desenhos, projetos, fotografias, notícias ou informações a respeito de técnicas, de tecnologias, de componentes, de equipamentos, de instalações ou de sistemas de processamento automatizado de dados, em uso ou em desenvolvimento no País, que, reputados essenciais para a sua defesa, segurança ou economia, devem permanecer em segredo.

Art. 14 – Facilitar, culposamente, a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 e 13, e seus parágrafos.

Pena: detenção, de 1 a 5 anos”.

Como é possível notar, o item III do art. 13 especifica a ocultação de ato de espionagem contra o poder público e o item “I” estabelece a participação que, neste caso, pode ser classificada como a obtenção do material de espionagem, conforme item IV do mesmo artigo.

Além disso, o art. 14 classifica a facilitação do ato de espionagem como um crime. Dar visibilidade ao conteúdo da espionagem por meio de publicações, portanto, como fez o Intercept Brasil, pode ser considerado uma forma de facilitação, visto que a denúncia do crime impossibilitaria o sucesso do hackeamento.

A troca sigilosa de mensagens entre os procuradores da Lava Jato são “informações a respeito de técnicas” cruciais para a “segurança ou economia” do Brasil, conforme prevê o art. 14, visto que se trata de uma operação contra o crime organizado, de combate à corrupção. Vale destacar ainda no art. 13 que “grupo de existência ilegal” pode se aplicar aos grupos de hackers, visto que os mesmos atuam clandestinamente.

Sendo assim, não resta dúvida de que a receptação e divulgação dos conteúdos roubados por hackers pode, sim, configurar crime contra o Estado brasileiro, e a relação entre os personagens envolvidos na trama caracterizar a formação de organização criminosa, como suspeita a Polícia Federal.

Por fim, Manuela D’Ávila não denunciou o crime contra o poder público quando teve a oportunidade. Ao invés disso, facilitou o trabalho do hacker ao fornecer o contato do ativista Glenn Greenwald, que fazendo uso do jornalismo como álibi para esconder a origem ilegal do seu material, publicou dados frutos de espionagem. Ambos, Manuela e Glenn, podem ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

Resta saber qual será a interpretação oficial das autoridades brasileiras para esses que se dizem “jornalistas” em busca de “justiça”, mas que não passam de ativistas políticos fazendo uso do jornalismo como desculpa para tentar legitimar a ação criminosa contra o Estado.