Pela primeira vez na América Latina, médicos da Universidade de São Paulo (USP) realizaram com sucesso um tratamento com o uso de células T alteradas em laboratório para combater células cancerígenas de linfoma. Chamado de terapia celular CAR-T, o procedimento já é adotado nos Estados Unidos como “último recurso” para tratar linfomas e leucemias avançadas.

O tratamento, realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no interior paulista, foi aplicado, no início de setembro, o aposentado Vamberto Castro de 62 anos, com linfoma em estado grave e sem resposta a tratamentos convencionais para a doença.

“O paciente tinha um câncer em um estágio terminal, já tinha sido submetido a quatro tipos diferentes de tratamento, sem resposta. Estava no que nós chamamos tratamento compassivo, que é tratamento sintomático, esperando o desencadear normal, que é o óbito. Estava na fila dos sem possibilidade de tratamento”, lembra o médico Dimas Tadeu Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.

Cerca de 20 dias após o início do tratamento, a resposta de saúde do paciente foi promissora: os exames passaram a mostrar que as células cancerígenas desapareceram.

“Ele teve essa resposta quase milagrosa. Em um mês, a doença desapareceu. Para essa situação, existem experiências americanas [que mostram] que o índice é superior a 80% de cura. Pacientes que estavam condenados, como esse do nosso caso, têm 80% de chance de cura com uma única aplicação desse tratamento”, destaca o médico.

“Daí a sua característica revolucionária. As pessoas não acreditam na resposta tão rápida em um curto espaço de tempo”, acrescenta Covas. O paciente, que deve ter alta no próximo sábado (12), será acompanhado por uma equipe médica, por pelo menos 10 anos, para que se saiba a efetividade do procedimento.

De acordo com o hematologista, os resultados da terapia celular para o tratamento das formas mais agressivas de câncer são tão espetaculares, que seu desenvolvimento rendeu o Prêmio Nobel de Medicina de 2018. Os premiados foram os dois pioneiros da terapia celular, o norte-americano James Allison e o japonês Tasuku Honjo.

Vitória da saúde pública

Dimas Covas disse que a realização com sucesso do tratamento no Brasil significa um avanço científico, econômico, social e do setor de saúde pública.  “Nós temos vários avanços. Primeiro, o avanço científico – nós conseguimos fugir das grandes companhias, das patentes das multinacionais, porque isso é um desenvolvimento próprio, brasileiro. Segundo, isso é feito dentro de um instituto público – é um tratamento destinado aos pacientes do setor público, do SUS [Sistema Único de Saúde].”

“Hoje, nos Estados Unidos, existem só duas companhias que oferecem esse tratamento. Em outras partes do mundo, ele ainda não está disponível. Poucos países do mundo têm esse tipo de tratamento sendo ofertado a população, principalmente na área pública”, enfatizou o médico. 

Ele informou que, nos Estados Unidos, a produção das células a partir da qual é feito um único tratamento custa US$ 400 mil. E o paciente tem os gastos da internação em unidade de transplante e demais despesas médicas. O tratamento completo chega a US$ 1 milhão [destaque: dólares] para uma única pessoa.

“Aí se tem uma ideia do impacto que isso causaria no Brasil se não houvesse uma tecnologia nacional disponível. Como é um desenvolvimento da área pública, a terapia poderá ser disseminada para outros laboratórios. Esse conhecimento que nós adquirimos pode ser replicado em outros laboratórios e com outros tipos de tratamento”, ressaltou.

Antes de ser disponibilizado no SUS, o procedimento deverá cumprir os requisitos regulatórios da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A pesquisa deverá incluir mais 10 pacientes nos próximos seis meses, mas ainda não há prazo para que o tratamento seja feito em larga escala.

Segundo Covas, isso deve ocorrer na medida em que ocorram adaptações nos laboratórios de produção, o que exigirá investimentos. “O conhecimento está disponível, agora é uma questão de definir a estratégia para que isso aconteça.” Ele destacou ainda que, “felizmente”, os investimentos necessários para ampliação da capacidade produtiva são “de pequena monta, da ordem de R$ 10 milhões”.

A capacidade brasileira atual é de fazer um tratamento por mês. “Nós estamos demonstrando que dominamos a tecnologia, porque o paciente respondeu, então, ela funciona, o produto atingiu o que se esperava dele. Agora é o seguinte: isso é produzido em um laboratório, nós temos capacidade de produção, de tratamento, de um por mês, porque ele é um processo laboratorial”, concluiu o coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

Comentário:

Caros leitores, estamos diante de uma notícia que pode significar a tão sonhada cura do câncer. O caso de Vamberto Castro, que era considerado irreversível e por isso o aposentado já se encontrava à espera da morte, foi revertido de forma surpreendente ao ponto de ser associado a um “milagre”.

O que dizer, então, da mesma técnica aplicada nos casos menos agressivos do câncer? É verdade que cada câncer é único e as múltiplas mutações provocadas pelos diferentes tumores dificultam a precisão diagnóstica do tratamento, mas esta nova técnica parece ir justamente na raiz do problema, que é o combate à proliferação das células cancerígenas, independentemente da sua natureza.

Foi isso o que aconteceu com Vamberto, a remissão, pasmem… total das células cancerígenas que haviam tomado conta de boa parte do seu corpo. O acompanhamento médico, evidentemente, será necessário, mas os resultados imediatos falam por si só: estamos sim diante da possibilidade real de cura total do câncer.

A grande questão é: a indústria de exploração comercial da saúde vai deixar com que esse avanço alcance o público de forma ampla e acessível?

O câncer gera BILHÕES de dólares todos os anos para a indústria farmacêutica. Seu tratamento está entre os mais caros do planeta. Apenas UMA quimioterapia custa aos cofres públicos cerca de 15 mil reais. Um tratamento completo, portanto, incluindo todas as medicações e procedimentos correlatos, gera milhares.

Recentemente publicamos a fala do Nobel de Fisiologia e Medicina, Dr. Richard J. Roberts, ao dizer que não há interesse na indústria pela CURA do câncer, mas sim em seu controle. Assim, diante de tamanho avanço na saúde brasileira, não é surpresa duvidar da capacidade dos grandes laboratórios de intervir para evitar a popularização de tal tratamento.

O que resta como “arma” para a população é divulgar o máximo possível esses avanços, pressionar as autoridades públicas, acompanhar de perto e cobrar a divulgação dos resultados, pois só assim o povo será capaz de se apropriar do que é seu, também por direito: o conhecimento!