O Brasil vive um momento conturbado, não apenas pelo surto de coronavírus, mas especialmente pela forma como a pandemia vem sendo conduzida em alguns estados, como no Rio de Janeiro, onde o seu governador, Wilson Witzel, já determinou a colocação de grades de proteção na orla de algumas praias, na tentativa de conter o trânsito dos cidadãos.

Na segunda-feira, por exemplo, duas mulheres foram presas acuadas de descumprirem o isolamento na praia de Itajaí,  em Niterói. Segundo a Polícia Militar, a dupla andava no calçadão quando foi abordada por agentes por volta das 9 da manhã desta segunda-feira (6), informou a Rede TV!.

Em nota, a prefeitura do Rio declarou: “As duas mulheres desobedeceram a determinação de não permanecer na área interditada. O decreto municipal estabelece medidas sanitárias preventivas e restritivas de saúde pública que estão sendo implantadas na cidade para conter o avanço da Covid-19”.

Na sequência do comunicado onde a prefeitura acusa às cidadãs de resistirem ao “decreto” de isolamento, chama atenção o seguinte trecho, com destaque nosso: “Os niteroienses no geral estão contribuindo com o isolamento social, mas ainda há aqueles que teimam em sair de casa“.

“Muitos querem se exercitar, mas correr na rua não é cumprir quarentena. As pessoas também podem pegar o novo coronavírus se respirarem gotículas de uma pessoa com Covid-19 que tosse ou exala gotículas. Há várias formas de se exercitar em casa. Correr na praia não é isolamento social“, conclui o comunicado.

Ditadura disfarçada de quarentena?

A que nível chegamos, afinal? Observem os trechos em destaque: “Teimam em sair de casa”; “Correr na rua não é cumprir quarentena” e; “Correr na praia não é isolamento social”. O que temos, na prática, é a confissão da prefeitura do Rio de Janeiro de que o seu governador decretou não estado de calamidade ou de emergência, mas de sítio.

Está claro pelo texto que o governo local, na verdade, está indo muito além da competência constitucional que lhe é atribuída, onde no máximo pode determinar a prisão apenas em casos flagrantes de descumprimento de uma ordem judicial/penal.

Restringir a liberdade de ir e vir sem o devido flagrante penal já tipificado em lei não é medida de isolamento, mas de Estado de Sítio ou de Defesa, condições essas que só podem ser decretadas exclusivamente pelo presidente da República, e não por governadores, conforme o Art. 137 da Constituição Federal (CF).

Do contrário, o art. 5º, XV, da CF garante que é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz. Em uma decisão recente, por exemplo, a juíza Federal Mária Rúbia Andrade Matos, da 1ª vara de Caraguatatuba/SP, negou pedido liminar do MP/SP que pretendia restringir o acesso de turistas ao município de Ubatuba, por meio da BR-101.

Em sua decisão, ela destacou que “não cabe a cada gestor Municipal, por exemplo, expedir decretos que impeçam o acesso ao território Municipal, tampouco ao Poder Judiciário realizar essas determinações em situações locais”, uma vez que a violação do direito à liberdade de ir e vir é um direito fundamental assegurado pela CF, informou o Migalhas.

Pelo que parece, governadores e prefeitos confundem os decretos de calamidade e estado de emergência com o de defesa e sítio. Nos dois primeiros, apenas situações flagrantes de crimes contra o coletivo respaldam uma prisão. O mero fato de estar fora de casa não justifica essa medida, como faz parecer a nota da prefeitura do Rio.