O procurador e coordenador da operação Lava Jato em Curitiba, Deltan Dallagnol, se manifestou em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro no tocante à força-tarefa de combate à corrupção no país.

Questionado se a Lava Jato teria favorecido a eleição de Bolsonaro, Deltan explicou que não, porque a operação não possui viés político, de modo que não teria qualquer relação de favorecimento ou desagrado contra outras figuras políticas.

“A Lava-Jato não deu apoio ao Bolsonaro. Ele não é filho da Lava-Jato. A Lava-Jato nunca foi amiga do Bolsonaro, assim como nunca foi inimiga de Eduardo Cunha, de Lula ou da Odebrecht”, disse Dentan durante entrevista para a Veja.

“Nenhum agente da Lava-Jato apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro. A minha percepção é de que Bolsonaro elogiou e apoiou a Lava-Jato de fora em uma estratégia de campanha política”, completou.

Deltan acrescentou: “Não foi isso que elegeu o Bolsonaro, porque isso não o distingue de outros candidatos à Presidência que também abraçaram essa pauta anticorrupção.”

Deltan defende saída de Moro

Uma parte sensível da entrevista é o momento em que Deltan Dallagnol justifica a saída do ex-ministro Sérgio Moro do governo Bolsonaro, indicando que seria pelo compromisso ao combate à corrupção.

Evidentemente, em outras palavras, significa dizer que o governo não estaria apoiando a Lava Jato, o que, na prática, também sugere que Deltan concorda com às acusações de Sérgio Moro feitas contra o presidente Bolsonaro no ato da sua saída.

Questionado se a entrada de Moro no governo teria prejudicado a imagem da Lava Jato, Dallagnol deu a seguinte resposta:

“O ex-ministro Sergio Moro diz que integrou o governo não em razão de uma pessoa, mas em razão de uma causa anticorrupção. E a saída dele torna isso evidente“, disse ele, com destaque nosso.

“Não temos visto esse apoio declarado por Bolsonaro em palavras se concretizar em atos ao longo de sua jornada presidencial”, completou.

“O problema é que, quando a classe política não dá uma resposta adequada em relação às pessoas investigadas e processadas por corrupção, e quando o Judiciário não afasta dentro de um tempo razoável essas pessoas poderosas envolvidas em práticas ilícitas, a sociedade passa a criar algo diferente do que está aí, a votar em um candidato como o Tiririca, porque começa a achar que pior que está não fica”, explica o procurador.

Deltan se contradiz

Na sequência, o procurador Deltan Dallagnol foi questionado se, então, a saída de Moro do governo Bolsonaro significaria que o combate à corrução estaria pior. Ele respondeu o seguinte:

“Nosso trabalho nada tem a ver com a escolha que a sociedade vai fazer de seus representantes. Não estou defendendo nem acusando o governo Bolsonaro. Eu defendo causas, mas falta o apoio devido à pauta anticorrupção.”

Ora, como não está acusando? Pode não estar diretamente, correto, mas está claro que no contexto da sua fala Deltan demonstra concordar com Sérgio Moro no que diz respeito às acusações de que Bolsonaro não estaria comprometido com o combate à corrupção.

Prova disso é que ele mesmo diz que “falta o apoio devido à pauta anticorrupção”, e na sequência Deltan é ainda mais enfático ao endossar às denúncias de Moro citando a repercussão midiática que ela teve.

“Vimos notícias que apontam a possível interferência do presidente em investigações. O eventual uso do aparelho judiciário para proteger amigos políticos ou para perseguir inimigos políticos é algo típico de regimes autoritários, de ditaduras, e põe em xeque qualquer investigação contra pessoa poderosa”, disse Deltan.

O tom das declarações de Deltan Dallagnol sobre o presidente Bolsonaro é claramente acusatório, muito embora não o seja diretamente, obviamente por não se comprometer juridicamente. Mas, na prática, o procurador está ecoando as denúncias do ex-juiz Moro.

Onde está o problema?

Deltan Dallagnol tem total direito de expressar a sua visão em relação ao governo enquanto cidadão, mas como procurador da República isto se torna um GRAVE problema quando ele cita acusações de um ex-ministro que agora é um potencial candidato à presidência da República.

Isto, porque, uma das principais críticas/suspeitas em relação ao grupo mais famoso da Lava Jato – justamente o de Curitiba, berço da atuação de Moro e Dallagnol – é que a força-tarefa estaria agora empenhada em apoiar o ex-ministro para a presidência.

O fato de Deltan fazer estas afirmações, no atual contexto, infelizmente reforça essa percepção, e isto porque outro importantíssimo detalhe chama atenção: nenhuma das acusações de Moro contra Bolsonaro foram comprovadas até o momento, mas pelo contrário, elas foram rebatidas até mesmo por apoiadores da Lava Jato, como a jurista e deputada Janaína Paschoal.

Por qual razão Deltan Dallagnol faz questão de citar como fundamento dos seus argumentos acusações de Sérgio Moro contra o governo, quando estas ainda estão em processo de investigação e não foram comprovadas?

Não seria mais prudente, da parte do procurador, aguardar o desfecho do inquérito que tramita no Supremo para decidir como se posicionar sobre o assunto, uma vez que não se trata da opinião de um cidadão comum, mas do coordenador da Lava Jato?

Ora, quando Dallagnol endossa acusações feitas por Moro contra o governo, sendo estas claramente refutadas até por pessoas críticas do governo, como Janaína Paschoal, ou mesmo o jurista Ives Gandra Martins, que negou haver qualquer conteúdo comprometedor contra o presidente até o momento, qual é a impressão que o procurador transmite?

Infelizmente… e infelizmente mesmo… é a impressão de que o seu posicionamento está sendo, sim, motivado politicamente em favor do ex-ministro Sérgio Moro, o qual tem deixado cada vez mais evidente um discurso político pré-eleitoral.

O governo não endossou a Lava Jato?

Outra questão que chama atenção na entrevista concedida por Deltan Dallagnol reside na afirmação de que a Lava Jato não estaria recebendo o devido apoio durante o governo Bolsonaro. Ora, o próprio Moro desmente isso!

No final de janeiro desse ano Sérgio Moro afirmou que Bolsonaro estava “honrando o compromisso” de lutar pela agenda anticorrupção. Repetimos: em JANEIRO DE 2020! Veja aqui. O que mudou em tão pouco tempo, visto que a saía do ex-ministro do governo se deu em 24 de abril, portanto, em menos de três meses da sua declaração?

Está claro, portanto, que parece haver um conflito de coerência em tais acusações.

Influência de Moro?

Uma tese… repetimos: tese!, que pode explicar a postura de Deltan Dallagnol contra o atual governo pode ser a influência de Sérgio Moro nos bastidores da Lava Jato, algo que estaria sendo motivado politicamente, como o próprio procurador-geral da República, Auguto Aras, deixou claro recentemente.

Ao criticar o pedido da defesa de Moro para que o vídeo da reunião ministerial ocorrida em 22 de abril fosse autorizado, Aras disse que o ex-ministro estaria em um “palanque eleitoral precoce”.

Se esta tese estiver correta, é possível que Dallagnol e colegas da Lava Jato estejam sendo manipulados por Sérgio Moro? É possível que eles estejam assumindo a visão de Moro sobre o governo, mas sem perceber de que se trata de um jogo político, talvez, pela confiança depositada da figura do ex-juiz da Lava Jato? Tirem suas conclusões.