Inicio esse texto lamentando profundamente a morte de Karol Eller. Também me solidarizo com a sua família e amigos, pois nada é tão difícil quanto a dor de perder alguém que amamos. Dito isso, penso que é preciso dizer algumas coisas em resposta àqueles que estão associando o seu suicídio à suposta tentativa de “reorientação sexual” por parte da religião cristã.

Quem me conhece, sabe que há muitos anos viajo o Brasil ministrando em igrejas, dando seminários sobre vida familiar, sexualidade e educação, o que me fez conhecer de perto a forma como pessoas da comunidade LGBT são tratadas nesses lugares. Com base nisso, posso afirmar tranquilamente que não existe ambiente mais acolhedor para os homossexuais, do que a igreja cristã.

O fato de haver uma doutrina bíblica sobre família, onde a relação sexual entre pessoas do mesmo sexo é condenada, não significa que pessoas homossexuais são destratadas ou sofram pressão por fazerem parte de uma igreja. O que ocorre, normalmente, é uma mudança de entendimento por parte do próprio indivíduo, o que lhe faz querer abandonar determinadas práticas, e isso voluntariamente.

Diferentemente do que o jornalista Tiago Pavinatto sugeriu em uma postagem dias atrás, logo após a morte da Karol, não existe na igreja cristã “terapias de reorientação sexual”. Eu, particularmente, desconheço a existência dessa prática no meio cristão, seja evangélico ou católico.

Como disse antes, o que normalmente existe entre pessoas da comunidade LGBT que se convertem, é uma mudança de entendimento baseada na fé do próprio indivíduo, o que também pode lhe fazer querer mudar seu estilo de vida como um todo, incluindo a forma como enxerga a sua sexualidade.

Essa possível mudança de entendimento, porém, jamais deve ser associada a um tipo de “pressão” ou tentativa de “reorientação”, pois igrejas sérias, onde há uma liderança séria e, portanto, responsável, sabem acolher e compreender os indivíduos com as suas próprias diferenças e batalhas pessoais.

No caso da Karol Eller, temos ainda uma história de vida traumática. Em 2021, ela veio a público relatar que foi vítima de abuso sexual por parte do próprio pai biológico, dando detalhes de uma relação extremamente difícil que também envolveu o uso de drogas (vídeo abaixo). Como se não bastasse tamanho sofrimento, a jovem ainda enfrentava uma depressão.

Ou seja, é extremamente difícil dimensionar o contexto de sofrimento emocional de uma pessoa que lutava com tantos dilemas, o que significa que é absurdamente simplista, preconceituoso e desonesto reduzir a causa de um suicídio à possível influência da religião sobre a sexualidade, como sugeriu Pavinatto.

Ao contrário disso, a proximidade da Karol com a fé cristã, incluindo a sua conversão e integração com a igreja, pode ter sido justamente uma tentativa da sua parte de lidar com todas as questões que já enfrentava, incluindo o desejo de querer mudar seu estilo de vida, algo que talvez existisse muito antes de qualquer proximidade com a religião.

Por fim, concluo dizendo que não podemos julgar o que desconhecemos. Do contrário, corremos o risco de destilar preconceito e ignorância contra grupos ou pessoas que talvez tenham feito a diferença para que jovens como a Karol tivessem conseguido vencer muitas batalhas no decorrer da vida.

A absoluta maioria das igrejas são acolhedoras, sendo grandes auxiliadoras no combate à ideação suicida, por isso não tenho dúvidas de que a Karol, no tempo em que esteve conosco, foi amada e acolhida da forma como era, independentemente de quaisquer decisões da sua parte.

Editorial: Se você passa por problemas, o Centro de Valorização da Vida (CVV) pode te ajudar. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por telefone, e-mail, chat e Skype 24 horas todos os dias. Disque 188.