O governo dos EUA se recusou a endossar a tentativa do Brasil de ingressar na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), marcando uma reviravolta após meses de apoio público por parte das principais autoridades norte-americanas.
O secretário de Estado dos EUA, Michael Pompeo, rejeitou um pedido para discutir uma nova ampliaçãoda OCDE, do clube dos países mais ricos, de acordo com a cópia de uma carta enviada ao secretário-geral da entidade, Angel Gurria, em 28 de agosto. Na carta, Pompeo deixou claro que Washington apoia apenas as candidaturas de adesão de Argentina e Romênia.
“Os EUA continuam a preferir a ampliação a um ritmo contido que leve em conta a necessidade de pressionar por planos de governança e sucessão”, afirmou o secretário de Estado na carta.
A mensagem contradiz a posição pública dos EUA sobre o assunto. Em março, o presidente Donald Trump, em entrevista coletiva conjunta com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, na Casa Branca, declarou apoiou à entrada do Brasil no grupo de 36 países. Em julho, o Secretário de Comércio dos EUA, Wilbur Ross, reiterou o apoio de Washington ao Brasil durante uma visita a São Paulo.
Os EUA apoiam a ampliação comedida da OCDE e um eventual convite para o Brasil, mas estão trabalhando primeiro para as entradas de Argentina e Romênia, tendo em vista os esforços de reforma econômica e o compromisso com o livre mercado desses países, disse uma autoridade sênior dos EUA, segundo a Boomberg News.
A verdade por trás da decisão dos EUA
O que o leitor precisa entender de pronto é que tudo se trata de interesses comerciais e controle econômico, o que significa falar de sobrevivência nacional. Neste sentido, o Governo Trump atua como um estrategista visando os interesses dos EUA acima de qualquer outro, algo que o Brasil ainda precisa aprender.
Trump jogou com Bolsonaro e nessa partida saiu vencendo, sim! Mas afinal, por qual motivo? Ora, a razão está no futuro! No livro chamado “The Next Decade: What the World Will Look Like” (A Próxima Década: Como o Mundo Vai se Parecer), lançado em 2011 pela editora americana Knopf Doubleday, o autor George Friedman fez uma análise tão precisa sobre a relação EUA e Brasil que, apesar de publicada oito anos atrás, parece ter saído nas manchetes de um jornal no dia de hoje.
“Há só um país na América Latina com o potencial para emergir como competidor dos Estados Unidos por mérito próprio, e esse é o Brasil. É o primeiro país da história da América Latina que tem potencial para se tornar uma potência significativa, independente economicamente e mundial”, diz o autor.
O Brasil é o único país das Américas capaz de ser uma ameaça real aos interesses hegemônicos dos Estados Unidos, em todos os sentidos: econômico, militar e cultural. Com base nisso, Friedman diz que não é interesse dos EUA promover o crescimento econômico independente do Brasil, mas sim de controlá-lo, e é aqui onde entra a Argentina.
“O único desafio que o Brasil poderia representar para os Estados Unidos seria se sua expansão econômica continuasse o bastante para desenvolver suficiente poder naval e aéreo para dominar o Atlântico entre sua costa e a África Ocidental, uma região que não é muito patrulhada pelos Estados Unidos”, diz o autor.
“Ainda que o Brasil não seja ainda, de forma alguma, uma ameaça aos interesses americanos, a estratégia fundamental dos EUA de criar e manter equilíbrios de poder em todas as regiões do mundo requer que os Estados Unidos comecem a trabalhar agora para criar uma potência de contrapeso“.
Segundo o ativista Júlio Severo, que traduziu parte da obra citada nesta matéria, Friedman é o fundador de Stratfor, uma empresa de inteligência mundial com sede no Texas, cujos membros têm experiência militar e de inteligência. É importante ressaltar essa informação para que o leitor entenda que não se trata de uma análise estratégica qualquer feita pelo autor.
A “potência de contrapeso” em questão, segundo Friedman, é justamente a Argentina, que recebeu o aval do Governo Trump para a entrada na OCDE. Se o Brasil atual entrasse em tal organização, seu desenvolvimento poderia ser acelerado repentinamente, o que não é bom para os EUA, uma vez que estaria alimentando em seu quintal um concorrente de peso em diferentes áreas.
A meta dos EUA é fortalecer a Argentina para conter o Brasil
Em seu livro escrito há oito anos, Friedman continua: “Na próxima década, os Estados Unidos precisam manter relações amistosas com o Brasil e, ao mesmo tempo, também fazer tudo o que puderem para fortalecer a Argentina, o único país que poderá servir de contrapeso”, diz o autor.
“A meta dos EUA deve ser aos poucos fortalecer a capacidade econômica e política da Argentina de modo que nos próximos vinte a trinta anos, se o Brasil começar a emergir como uma ameaça potencial aos Estados Unidos, o crescimento da Argentina gere rivalidade com o Brasil”, acrescenta.
“Os Estados Unidos também deveriam se preparar para aproximar mais as forças armadas dos EUA das forças armadas da Argentina, mas por meio do governo civil, a fim de não incitar temores de que os EUA estão favorecendo as forças armadas da Argentina como uma força na política nacional argentina.
O presidente dos EUA precisa tomar cuidado a fim de não mostrar suas intenções verdadeiras nisso, e não se apressar. Um projeto exclusivo para a Argentina poderá gerar uma reação prematura do Brasil. Por isso, os EUA precisam incluir o Brasil nos projetos americanos, se o Brasil desejar participar.
Se necessário, esse esforço de boa vontade pode ser apresentado como uma tentativa de conter o [bolivarianismo socialista] na Venezuela. Custará dinheiro, mas será muito mais barato, em todo aspecto, do que confrontar o Brasil na década de 2030 ou 2040 para ver quem vai controlar o Atlântico Sul”, observa o autor.
Nota-se, portanto, que Frieadmen praticamente “profetizou” o que estamos vivenciando em 2019 no cenário diplomático entre Brasil, EUA e Argentina, e isso não tem nada a ver com interesses maliciosos, no sentido pejorativo do termo, mas sim com estratégia a nível mundial, onde os norte-americanos possuem grande experiência.
Assim, conflui Friedman:
“Acima de tudo o mais, os governos do hemisfério não devem perceber os Estados Unidos como se intrometendo nos assuntos deles, uma percepção que coloca em movimento sentimentos antiamericanos, que podem ser desagradáveis. É claro que os Estados Unidos se envolverão em intromissões nos assuntos da América Latina, especialmente da Argentina.
Mas isso deve vir embutido num debate interminável de direitos humanos e progresso social. Aliás, especialmente no caso da Argentina, ambos serão promovidos. O que precisa ser escondido são os motivos dos EUA com relação ao Brasil.
No entanto, todos os presidentes precisam em todas as coisas esconder suas motivações verdadeiras e negar categoricamente a verdade quando alguém reconhecer o que eles estão tramando. Os EUA precisam lidar com o Brasil e, se necessário, elaborar planos de longo prazo para conter o Brasil”.
Então, como fica a relação EUA e Brasil?
Na relação de Jair Bolsonaro com Donald Trump, o presidente brasileiro não perdeu absolutamente nada. Bolsonaro foi em busca do “sim” quanto à OCDE, uma vez que o “não” o Brasil já tinha. É o famoso “jogar verde para colher maduro”.
Bolsonaro jogou com os interesses dos EUA, demonstrando cooperação com o Governo Trump. É isso o que todo “vendedor” deve fazer quando deseja conquistar um novo cliente (os EUA): mostrar interesse e até certa “bajulação”. Quem interpreta isso como humilhação é porque não entende como funciona às diferentes fases em uma estratégia de venda, onde avançar e retroceder faz parte.
Ao negar a entrada do Brasil na OCDE, o Governo Trump também se expõe, permitindo que o Brasil assuma uma nova postura, o que fará o ciclo de negociações girar, inclusive com outras potências do mundo. É assim que funciona.
Por outro lado, não deixa de ser um grande furo ético do Governo Trump para com o Governo Bolsonaro. Neste sentido, quem sai com sua imagem manchada não é o Brasil, mas sim os EUA, que deixou de cumprir um acordo divulgado internacionalmente. Qual é a mensagem que Trump passa para o mundo? De desonestidade!
Portanto, ainda que a posição dos EUA seja compreensível em termos estratégicos (algo que o Brasil deve aprender a fazer), ela foi desrespeitosa para com o Brasil. Mas no final das contas, a lição, se bem aproveitada pelo Governo Bolsonaro, tratá benefícios maiores para o futuro.