Um encontro que, para o governo brasileiro, começou de maneira constrangedora terminou com o sucesso do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul. O anúncio das negociações entre os dois grupos interferiu no humor do presidente Jair Bolsonaro, que, na quinta-feira, chegou à cúpula do G20, no Japão, irritado com a imprensa e, no sábado, embarcou de volta para Brasília com um trunfo reconhecido até mesmo por autoridades internacionais.
O motivo da irritação no início da viagem de Bolsonaro tinha nome e sobrenome: Manoel Rodrigues, segundo sargento da Aeronáutica, preso com 39kg de cocaína apreendidos dentro de um avião de apoio à comitiva do presidente. O mau humor do presidente se refletiu na primeira coletiva em solo japonês, armada no lobby do hotel onde ele ficou hospedado. Três dias depois, Bolsonaro, diante do resultado do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, era outro personagem, talvez mais próximo do piadista descompromissado com o politicamente correto.
O papel de Bolsonaro foi elogiado por Cecilia Malmström, comissária europeia para o Comércio. Segundo ela, as negociações — que se arrastaram por 20 anos e foram iniciadas no Rio de Janeiro — ganharam outro ritmo depois da posse presidencial, em janeiro deste ano.
Não é que o acordo estivesse travado durante todo esse tempo, até pela complexidade dos temas e dos produtos envolvidos. Mas é inquestionável a velocidade da amarração das pontas ao longo dos últimos meses, considerando o pacote apresentado em Bruxelas e comemorado em Osaka por latino-americanos e europeus.
O presidente argentino Mauricio Macri, durante o pronunciamento conjunto dos líderes dos dois blocos e do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, ressaltou o comprometimento dos atuais chefes de governo com o acordo.
“São líderes com boa vontade para as transformações”, disse ele na madrugada de sábado (horário de Brasília). Macri, ao citar o Brasil, disse que as negociações facilitam a atuação de empresas e a vinda de investimentos para a região, considerando desafios como o fluxo migratório e a pobreza. “No atual momento de tão poucas boas notícias, temos algo para apresentar.”
Se para Macri — candidato à reeleição em outubro numa disputa dura com o grupo de Cristina Kirchner — o acordo Mercosul e União Europeia é uma “boa notícia”, o mesmo pode ser dito em relação a Bolsonaro. Logo que as negociações foram fechadas, o presidente brasileiro correu para Twitter e marcou posição:
“Prometi que faria comércio com todo o mundo, sem viés ideológico. Não foi retórica vazia de campanha, típica da velha política. É pra valer! Estou cumprindo mais essa promessa, que renderá frutos num futuro próximo. Vamos abrir nossa economia e mudar o Brasil pra melhor.”
Com a economia travada e a alta resistência das taxas de desemprego, o governo Bolsonaro tem, de certa maneira, vivido das expectativas do mercado com a virtual aprovação da reforma da Previdência. Os resultados positivos na bolsa de valores são a parte evidente das apostas quase certas na vitória do texto com a mudança nas regras de aposentadoria, mesmo que a economia de R$ 1 trilhão esteja longe de se confirmar. (…)
Para além do acordo Mercosul e União Europeia, a participação de Bolsonaro no G20 teve um momento importante representado pelo encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O brasileiro fez mais uma vez uma ponte direta com o republicano, rasgando elogios ao norte-americano e acabou recebendo afagos.
Bolsonaro foi o porta-voz de uma possível visita de Trump à Argentina no próximo mês, o que pode representar uma reunião com os chefes latinos de centro-direita. “Graças a Deus a América Latina está deixando de ser de esquerda para ser de centro-direita e até mesmo de direita.”
O presidente saiu bem maior do que entrou na cúpula de Osaka, a ponto de falar com tranquilidade sobre o episódio da apreensão de drogas no avião da Força Aérea Brasileira (FAB) na Espanha, algo que havia se recusado a comentar na terça-feira, ao desembarcar.
“Aquele elemento ali traiu a confiança dos demais. Traiu a confiança, sim. Olha, pena que não foi na Indonésia. Eu queria que tivesse sido na Indonésia, tá ok? Ele ia ter o destino que o Archer teve no passado.” Em 2015, o brasileiro Marco Acher foi executado na Indonésia por tráfico de drogas. Com informações: Correio Braziliense.