José Francisco Rezek, 75 anos, já foi procurador da República, ministro das Relações Exteriores, juiz da Corte Internacional de Justiça, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, até hoje, é a única pessoa a ocupar, por duas vezes, o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Atualmente, advoga em São Paulo e voltou à cena jurídica brasiliense quando, a pedido da Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR), começou a defender o procurador Deltan Dallagnol, que teve mensagens de aplicativo do celular roubadas por hackers e publicadas na Vaza-Jato.

“A Constituição é pisoteada quando se pretende fazer de um hacker, ou de seu porta-voz, em qualquer cenário, o novo herói nacional”, disse ele em uma entrevista ao jornal Correio Braziliense. Na ocasião, o jurista falou sobre as críticas feitas atualmente ao Supremo Tribunal Federal, devido a decisões polêmicas.

“Não concordo com a tese de que a qualidade média na composição do Supremo é hoje menor que no passado, recente ou remoto. Acho profundamente injustas as críticas, tantas vezes brutais e virulentas, que pessoas nem sempre qualificadas dirigem, no mundo virtual, à formação científica de integrantes da casa”, disse Rezek.

“Mas o tribunal reflete hoje a clivagem, a fratura que divide o povo brasileiro; e a reflete de modo às vezes desencontrado, no sentido de que há posições oscilantes na linha divisória. Tento comparar o Supremo de hoje com a Corte da Haia, onde 15 criaturas de origens e histórias tão diferentes chegaram sempre, ao longo do meu mandato de nove anos, a decisões unânimes, ou quase unânimes.

Isso aconteceu mesmo em conflitos de alta dramaticidade e substrato político, como o caso do atentado de Lockerbie, ou os enfrentamentos entre o Irã e os Estados Unidos, ou a questão da ilegalidade do muro na Palestina. Hoje o estado normal do Supremo tem quase sempre a marca de uma divisão pelo meio, onde cada um dos dois flancos parece subdividir-se em outras tantas vertentes.

Não é bem um colegiado, muito menos uma confraria (naquele sentido um tanto pejorativo com que alguns autores se referiram no passado à Corte Suprema americana). O Supremo, hoje mais que nunca, é um arquipélago. Um arquipélago de 11 monocracias, nem sempre comunicantes entre si”, completou.

Questionado sobre a abertura de um inquérito para apurar supostas “fake news” contra os ministros do STF, Rezek também lamentou o fato. Segundo ele, até os próprios ministros da Corte já se convenceram de que a decisão foi errada.

“Não foi uma ideia feliz, e tenho a convicção de que seus autores já se convenceram disso. Mas é difícil voltar atrás em certos cenários e em certos níveis de autoridade”, disse ele.