O antropólogo e economista franco-senegalês, Tidiane N’Diaye, considera que o tráfico de escravos árabe-muçulmano, realizado durante quase mil anos, ainda não foi reconhecido em toda a dimensão. Ele concedeu uma entrevista publicada em março do ano anterior em um jornal português, a qual consideramos importante torná-la mais conhecida do público brasileiro.

A sua introdução ao ensaio “O Genocídio Ocultado” é muito violenta. Pode dizer-se que a escravatura árabo-muçulmana foi a mais dura?

É preciso reconhecer que as implosões pré-coloniais inauguradas pelos árabes destroem sem dúvida os povos africanos, que não tiveram um intervalo desde a sua chegada. Como mostra a História, os árabes-muçulmanos estão na origem da calamidade que foi o tráfico e a escravatura, que praticaram do século VII ao século XX.

E do sétimo ao décimo sexto século, durante quase mil anos, eles foram os únicos a praticar este comércio miserável, deportando quase 10 milhões de africanos, antes da entrada na cena dos europeus.

A penetração árabe no continente negro iniciou a era das devastações permanentes de aldeias e as terríveis guerras santas realizadas pelos convertidos, a fim de obter escravos de vizinhos que eram considerados pagãos. Quando isso não era suficiente, invadiram outros alegados “irmãos muçulmanos” e confiscaram os seu bens. Sob este acordo árabe-muçulmano, os povos africanos foram raptados e mantidos reféns permanentemente.

A recente islamização dos povos africanos excluiu as práticas de escravidão?

O Islão só permite a escravização de não-muçulmanos. Mas em relação aos negros, os árabes utilizaram os textos eruditos como os de Al-Dimeshkri:

“Nenhuma lei divina lhes foi revelada. Nenhum profeta foi mostrado em sua casa. Também são incapazes de conceber as noções de comando e de proibição, desejo e de abstinência. Tem uma mentalidade próxima da dos animais. A submissão dos povos do Sudão aos seus chefes e reis deve-se unicamente às leis e regulamentos que lhes são impostos da mesma maneira que aos animais.”

Considera existir um “desprezo dos árabes pelos negros no Darfur”. Mantém-se isso atualmente?

Sim. No inconsciente dos magrebinos, esta história deixou tantos vestígios que, para eles, um “negro” continua sendo um escravo. Eles nem podem conceber que os negros estejam entre eles. Basta ver o que está a acontecer na Mauritânia ou no Mali, onde os tuaregues do norte jamais aceitarão o poder negro. Os descendentes dos carrascos, como os das vítimas, tornaram-se solidários por motivos religiosos.

Mas existem mercados de escravos na Líbia! Somente o debate permitirá superar essa situação. Recorde-se que na França, durante o comércio de escravos e a escravatura, havia filósofos do Iluminismo, como o Abade Gregório ou mesmo Montesquieu, que defendiam os negros, enquanto no mundo árabo-muçulmano os intelectuais mais respeitados, como Ibn Khaldun, também eram obscurantistas e afirmavam que os negros eram animais.

Nenhum intelectual do Magrebe levantou a voz para defender a causa dos negros. É por esta razão que este genocídio assumiu tal magnitude e continua. No Líbano, na Síria, na Arábia Saudita, os trabalhadores domésticos africanos vivem em condições de escravatura. A divisão racial ainda é real na África.

Quando se fala de genocídio, o holocausto surge logo. Pode-se fazer comparações, apesar da duração temporal, com a do tráfico negreiro árabe?

Desde o início do comércio oriental de escravos que os muçulmanos árabes decidiram castrar os negros, para evitar que se reproduzissem. Esses infelizes foram submetidos a terríveis situações, para evitar que se integrassem e implantassem uma descendência nesta região do mundo.

Sobre esse assunto, os comentários de uma rara brutalidade das “Mil e Uma Noites” testemunham o tratamento terrível que os árabes reservavam aos cativos africanos nas suas sociedades esclavagistas, cruéis e depreciativas particularmente para os negros. A castração total, a dos eunucos, era uma operação extremamente perigosa.

Quando realizada em adultos, matou entre 75% e 80% dos que a ela foram sujeitos. A taxa de mortalidade só foi menor nas crianças que eram castradas de forma sistemática. Mas 30% a 40% das crianças não sobreviveram à castração total. Hoje, a grande maioria dos descendentes dos escravos africanos são na verdade mestiços, nascidos de mulheres deportadas para haréns. Apenas 20% são negros. Essa é a diferença com o comércio transatlântico.

Afirma que o tráfico negreiro transatlântico foi menos devastador que o comércio árabo-muçulmano. O que os diferencia?

Eu só falo de genocídio para descrever o comércio de escravos transaariano e oriental. O comércio transatlântico, praticado por ocidentais, não pode ser comparado ao genocídio. A vontade de exterminar um povo não foi provada. Porque um escravo, mesmo em condições extremamente más, tinha um valor de mercado para o dono que o desejava produtivo e com longevidade.

Para 9 a 11 milhões de deportados durante essa época, existem hoje 70 milhões de descendentes. O comércio árabo-muçulmano de escravos deportou 17 milhões de pessoas que tiveram apenas 1 milhão de descendentes, por causa da maciça castração praticada durante quase catorze séculos.

Pode dizer-se que os árabes são os “inventores” da escravatura tal como a definimos hoje?

Na verdade, foi o Império Romano quem mais praticou a escravidão. Estima-se que, em determinada altura, quase 30% da população do império era escrava. Quanto à África, deve-se notar que, enquanto a propriedade privada não existia, as pessoas funcionariam em cooperativa. Quando a propriedade privada cresceu, eram precisos mais braços para trabalhar.

Foi então que os conflitos começaram e cresceram e os vencidos foram então reduzidos à escravidão. Estima-se que, no século XIX, 14 milhões de africanos estavam escravizados. A escravatura interna existia antes e durante o tráfico árabo-muçulmano e transatlântico. Foram os árabes muçulmanos que começaram o tráfico de escravos em grande escala.

Como Fernand Braudel apontou, o tráfico de escravos não foi uma invenção diabólica da Europa. São os muçulmanos árabes que estão na origem e o praticaram em grande escala. Se o tráfico atlântico durou de 1660 a 1790, os muçulmanos árabes atacaram os negros do sétimo ao vigésimo século e foram os únicos a praticar o tráfico de escravos.

Para ler a entrevista completa, acesse o Jornal de Angola.