Uma declaração recente do ministro da Economia, Paulo Guedes, despertou a ira de muitas pessoas que atuam no serviço público, o qual é composto por 11,5 milhões de servidores. Na ocasião, o mesmo criticou a existência de ganhos desproporcionais no setor e o desejo da categoria de aprovar o reajuste automático dos próprios salários.

“O funcionalismo teve aumento 50% acima da inflação. Além disso, tem estabilidade na carreira e aposentadoria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara (servidor) virou um parasita. o dinheiro não chega no povo e ele (servidor) quer reajuste automático”, disse o ministro em um evento da FGV.

A reação do funcionalismo foi imediata, como esperado. Paulo Guedes foi criticado por diversas entidades representativas e também pela mídia mainstream. Mas, o que o ministro quis realmente dizer? Será que ele errou em sua fala, ou os críticos estão fazendo uma interpretação desonesta do seu pensamento?

O próprio Paulo Guedes explicou posteriormente o contexto do que disse: “Se o Estado existe para si próprio, então é como um parasita”, disse ele. “O Estado perdulário maior que o hospedeiro, a sociedade”, afirmou o ministro, segundo o Estado de Minas.

Em outras palavas, se funcionários públicos atuam em função de si mesmos, e não da sociedade em geral, a lógica dessa atuação é parasitária. Observe na sequência da fala de Guedes, ainda se explicando, mais esse destaque:

“Eu não falava de pessoas, e sim do risco de termos um Estado parasitário, aparelhado politicamente e financeiramente inviável. O erro é sistêmico, e não é culpa das pessoas que cumprem seus deveres profissionais, como é o caso da enorme maioria dos servidores públicos”, acrescentou.

A lógica do aparelhamento

A fala de Paulo Guedes não deixa dúvidas: o ministro criticou uma lógica operacional sistêmica que tomou conta do Brasil e, na prática, não tem nada a ver com o funcionalismo público por si só, mas com a visão que muitos “servidores” têm de querer integrar o poder público meramente para obter privilégios trabalhistas.

O funcionalismo público, em sua evolução histórica, foi/é uma demanda necessária para o Estado, especialmente após às duas grandes guerras mundiais, agravadas pela quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929. Diferentemente das décadas anteriores aos anos 50, a maioria dos países adotaram o modelo welfare state, ou Estado de bem-estar social, passando a considerar necessidades vitais para a população como direitos básicos.

Essa lógica foi vital para a retomada econômica de muitos países, pois foi um meio de absorção de mão-de-obra trabalhadora e ampliação do setor privado. Serviços como saúde, educação e assistência social passaram a ser vistos como responsabilidades do Estado, dessa forma, ampliando o setor público através da contratação de funcionários voltados para essas áreas, tais como profissionais de saúde, educadores e juristas.

Esse modelo, no entanto, entrou em declínio a partir dos anos 80, exatamente porque a sua lógica foi distorcida principalmente nos países influenciados pela visão socialista/comunista, a qual passou a utilizar a máquina pública como forma de controle social, o que Guedes chamou de “aparelhamento político”.

Tal aparelhamento ocorre com os trabalhadores que já atuam no funcionalismo. Ou seja, na prática, a “máquina” se volta para o governo (partidos) que lhe oferece privilégios (aprovação de medidas favoráveis para a categoria). Em troca disso, recebe o apoio político da máquina. É dessa forma que grandes regimes ditatoriais conseguem se perpetuar no poder.

Infelizmente, muitos que ainda estão fora do poder público e desejam entrar, também acabam adotando essa visão, justamente porque o maior interesse no setor passou a ser a obtenção desses benefícios, e não a oferta de serviço profissional de grande eficiência. 

Os verdadeiros parasitas

Atualmente, os servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário são os que concentram a maior disparidade no funcionalismo público, comparado ao número de servidores, por exemplo, municipais, que somam a maior parte da categoria. 

“Apesar do volume de contratações de funcionários municipais, o rendimento médio anual desses servidores foi de R$ 28 mil em 2014, inferior aos dos estaduais, que receberam quase o dobro, R$ 54,1 mil, e dos federais, que ganharam mais que o triplo, R$ 85 mil”, informou a FGV.

“No recorte por poderes, há uma diferença significativa entre a remuneração do Judiciário e do Legislativo — médias de R$ 138,4 mil e R$ 128,4 anuais — contra os R$ 68,9 mil por ano recebidos pelos funcionários do Executivo”, completa o artigo da Fundação.

O estudo “Gestão de pessoas e folha de pagamentos no setor público brasileiro: o que dizem os dados feito pelo Banco Mundial(Bird)”, divulgado em outubro de 2019, mostrou que “os servidores públicos federais ganham no Brasil em média quase o dobro (96%) dos trabalhadores que exercem função semelhante nas empresas do setor privado”.

O texto ainda destaca que “o chamado ‘prêmio salarial’ do setor público federal [no Brasil] é o mais alto numa amostra de 53 países pesquisados pela instituição. Nos Estados, os salários são 36% mais elevados”.

Com isso, o que se critica não é o número de funcionários públicos (que no caso do Brasil não é discrepante, tendo em vista o número da sua população), muito menos a sua necessidade, mas a disparidade dos gastos do setor quando levado em consideração a qualidade dos serviços, a realidade do setor privado e do próprio funcionalismo que é desigual entre si.

“Alguns servidores custam muito caro, principalmente nos poderes Legislativo e Judiciário. O chamado teto salarial do serviço público foi completamente desmoralizado, sobretudo pelo Judiciário, que paga três, quatro, cinco vezes o teto a alguns juízes e desembargadores”, afirmou o especialista em governança e políticas públicas Antônio Lassance, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para uma entrevista ao Correio Braziliense.

Como o próprio Paulo Guedes deixou claro em sua fala, repetimos: “o erro é sistêmico, e não é culpa das pessoas que cumprem seus deveres profissionais, como é o caso da enorme maioria dos servidores públicos”. Em outras palavras, a crítica que é feita quando se fala em “parasitismo” no poder público não é contra os bons trabalhadores ou uma categoria específica.

A crítica é contra uma forma de pensamento… os servidores que usam o poder público para se autobeneficiar, articulando projetos, por exemplo, de aumento dos próprios salários (como ocorre no Judiciário), mas principalmente contra os que oferecem serviços de péssima qualidade, muito embora recebam excelentes remunerações e benefícios.

Paulo Guedes quis dizer, portanto, que esse tipo de servidor “parasita” deve ser identificado e possivelmente demitido, sendo esse o desejo da maioria da população. Que o funcionalismo público deve ser mais equilibrado, sendo desfeitas discrepâncias, de forma que a distribuição de salários e benefícios contemple o maior número possível de pessoas em diferentes categorias, em vez de estar concentrada em apenas algumas.

Assim, o servidor que tem a consciência tranquila quanto ao cumprimento do seu dever não deve se sentir ofendido com tais críticas, muito menos preocupado com a manutenção do seu cargo. Essas críticas não são generalizadas, mas focadas em uma parcela que não está preocupada com a qualidade do serviço que presta ao país, mas tão somente com a manutenção (e aumento) dos seus privilégios.