Mais de 110 menores foram identificados recentemente na Espanha pelo compartilhamento de conteúdos com teor sexual nas redes sociais. No conteúdo há vídeos de momentos de intimidade publicados em plataformas como Instagram, Twitter ou YouTube.

Segundo a Polícia espanhola, há casos em que as imagens de crianças nuas ou seminuas foram compartilhadas pela família, mas existem outros em que foram os próprios menores que publicaram as imagens. O objetivo, diz o comunicado das autoridades, era “conseguir novos seguidores para os seus canais do Youtube ou mais likes nas suas publicações”.

Tito Morais, fundador do MiudosSegurosNa.Net, confessa que ficou “surpreendido” quando leu a notícia, mas, após alguma análise, considera que “faz sentido” tendo em conta a sociedade em que vivemos. “Vários estudos indicam que cada vez mais as redes sociais são um mecanismo de afirmação social perante os pares, sendo conhecidos vários efeitos negativos das mesmas em nível da saúde mental”, disse ele à DN Life.

Na opinião do promotor do projeto de segurança online, estas plataformas “promovem cada vez mais a superficialidade em detrimento da profundidade”. O que vale atualmente é sobretudo “o aparecer”, o que se “traduz na procura do like”. […]

O fato de crianças e adolescentes viverem “num ambiente altamente sexualizado e de saberem que o sexo e a transgressão atraem” pode ajudar a explicar o fenômeno. “Os jovens fazem o que veem fazer. Os videoclips são altamente erotizados, assistem a filmes que não são adequados para a idade”, explica a psicóloga Vânia Beliz, que tem participado em várias sessões sobre os perigos da internet nas escolas.

Ao mesmo tempo, “estão num processo de experimentação, de transgressão, de testar os limites”. O grande problema, frisa, “é que se colocam num cenário perigoso, porque a internet tem uma capacidade brutal de divulgação dos conteúdos”.

A necessidade de reconhecimento e de aparecer sempre existiu, lembra a sexóloga, “mas agora surge de uma forma mais perigosa”, porque acontece no meio digital. “Há necessidade de ser aceito, de fazer alguma coisa que suscite a atenção dos outros. Estão numa altura em que é importante ter aprovação”, refere a psicóloga, destacando que “o sexo vende, chama a atenção”.

Daniel Cardoso, professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e membro do projeto EU Kids Online, também não tem conhecimento de casos como aqueles que foram relatados na Espanha.

“Mas, do que tenho visto, os jovens e as jovens, como quaisquer outras pessoas com vida sexual, sexualidade, interesses íntimos e que vivem numa sociedade que sobrevaloriza a sexualidade e a experiência sexual, acabam por mobilizar as suas próprias representações, às vezes por questões motivadas pela sua própria vontade, outras vezes para fins mais instrumentais, como parece ser o caso”, explica o pesquisador.

“Tecnicamente, o que produzem pode ser considerado pornografia infantil, o que mostra o quão pouco adaptadas à realidade as nossas leis estão”, diz Daniel Cardoso. “Esse tipo de ação têm de ser lido no contexto de uma sociedade e cultura que sobrevaloriza a questão da nudez, da sexualidade e da sexualização dos corpos”, acrescenta.

“Vivemos numa sociedade que hiperssexualiza os jovens e, quando estes começam a testar os seus limites, achamos que é problemático, mas não problematizamos o contexto”, diz Daniel Cardoso, que prefere colocar a questão de uma outra forma. “Que sociedade é esta que faz com que este tipo de ação faça sentido? Se fazem isto, é porque têm resultados. Que cultura é esta que incentiva e mobiliza estes tipos de práticas?”.

Nas escolas, conta Vânia Beliz, o mais frequente é ler testemunhos de crianças e adolescentes “que já compartilharam conteúdo erótico ou íntimo, que se filmaram ou que receberam ameaças” relacionadas com o sexting. Segundo a psicóloga, os promotores das ações de sensibilização leem “coisas horríveis” quando pedem relatos escritos, como casos em que as meninas tinham enviados nudes aos namorados que os mostraram aos amigos ou que tinham ido à festas, consumido bebidas alcoólicas e filmado situações íntimas.

Tito de Morais, que há vários anos tem alertado sobre esta problemática, diz que em Portugal o que se sabe é que “há jovens que praticam sexting e que são coagidos a fazê-lo por namorados ou namoradas”. Daí “resulta muitas vezes em sextortion (para extorsão de dinheiro ou favores sexuais)” e, em alguns casos, revenge porn, ou seja, publicação de vídeos ou imagens de cariz sexual sem o consentimento do outro.