O pronunciamento de Bolsonaro na TV, nesta terça-feira (24), foi um tremendo tiro no pé do presidente da República em um contexto de inquietude devido à luta contra o novo coronavírus.

Em vez de apenas adotar um discurso de pacificação e tranquilidade diante do clima de tensão que já tomou conta do país, o chefe do Executivo também aproveitou o momento para provocar os seus opositores na mídia e na política.

Em seu pronunciamento na TV, Bolsonaro voltou a se referir ao Covid-19 como “gripezinha” ou “resfriadinho”, pedindo aos governadores para “abandonarem o conceito de terra arrasada”, que, para ele, inclui o fechamento do comércio “e o confinamento em massa”.

O pronunciamento do presidente também criticou medidas que nos últimos dias foram defendidas pelo próprio Ministério da Saúde, como o isolamento como forma de contenção do Covi-19. “Nossa vida tem que continuar. Os empregos devem ser mantidos. O sustento das famílias deve ser preservado. Devemos, sim, voltar à normalidade”, disse Bolsonaro.

Apesar de apontar o grupo de risco como “idosos acima de 60 anos”, o presidente – que tem 65 – citou a si mesmo como exemplo “atlético” para afirmar, que, se contaminado com o coronavírus, não sentiria efeitos nocivos, permanecendo ileso. 

Em seu discurso, Bolsonaro ainda fez menção indireta a um vídeo publicado pelo médico Drauzio Varella que viralizou recentemente, onde o mesmo afirma não haver motivos para se preocupar com o coronavírus, citando também indiretamente a rede Globo e outras mídias em tom crítico, apontando parte da mídia como responsável de promover “histeria” e “pânico” na população.

Críticas ao pronunciamento de Bolsonaro

As reações ao pronunciamento de Bolsonaro na TV foram imediatas, e não por acaso. De forma desnecessária, o presidente adotou uma postura incompatível para o cargo que ocupa, onde como chefe de Estado tem o dever de promover a pacificação do país, especialmente em um momento de crise e tensão.

Ao acusar parte da mídia de promover histeria e governadores de agirem como se estivessem em uma “terra arrasada”, Bolsonaro abriu mão da oportunidade de expor a sua visão com relação aos excessos cometidos no combate à pandemia, mas de forma equilibrada, para usar o espaço como uma ferramenta de ataque aos opositores.

Mesmo que para Bolsonaro o coronavírus seja apenas uma “gripezinha”, insistir nessa adjetivação de forma generalizada, ainda mais durante um pronunciamento oficial, definitivamente transmite a impressão de desprezo para com parte da população que discorda da sua análise, especialmente para com os que já perderam entes-queridos.

Bolsonaro parece não ter sido corretamente orientado, ou mesmo lido um texto feito por alguém que confunde o espaço de uma rede social, ou a conversa de bar entre amigos, com um pronunciamento oficial do presidente da República na TV.

É perfeitamente louvável que o presidente tenha suas convicções pessoais sobre o coronavírus, mas é imperioso que saiba distingui-las de um posicionamento formal, onde como chefe da Nação possa transmitir seriedade e confiança para a sociedade, baseado não em ataques à mídia ou opositores políticos, mas no que a ciência e seus ministros dizem sobre o assunto.

Bolsonaro dá munição aos adversários

O que o pronunciamento de Bolsonaro produziu? Desgaste à sua imagem como líder do país, mais críticas e divergências entre ele e os opositores. Ainda que sofra críticas constantemente, e na maioria das vezes de forma injusta, o que o presidente espera conquistar fornecendo mais munição para os seus adversários?

Por fim, a imagem retirada desse pronunciamento é a de que Jair Bolsonaro parece estar tendo dificuldade de abandonar a postura da época em que era deputado federal, onde o mesmo falava apenas para a sua parcela de eleitores e tinha maior liberdade para atacar seus adversários.

Agora como presidente da República, Bolsonaro precisa e deve falar como chefe da Nação, em nome de todos, inclusive dos críticos. Nação essa que para poder avançar depende de uma liderança que ao menos durante o seu pronunciamento saiba transmitir a ideia de conciliação, e não a sensação de convocação para uma batalha.