O debate sobre a natureza da pedofilia, ou seja, a sua verdadeira causa, é motivo de discórdia entre os especialistas no assunto. Enquanto muitos entendem que se trata de algo estritamente intencional, fruto de uma índole perversa, imoral e criminosa, outros dizem se tratar de uma “doença”.

Este é o caso do advogado criminalista Denis Caramigo, que publicou na famosa revista Consultor Jurídico (Conjur), a opinião de que “pedofilia não é crime, mas sim doença”.

A publicação de Caramigo ocorreu em 2017, mas dado o atual contexto, ela foi citada em outra matéria do Opinião Crítica, onde a palestra dada recentemente pelo psicólogo Paulo Roberto Ceccarelli sobre “o sofrimento psíquico do pedófilo” foi abordada.

Segundo o advogado, “não existe em nosso ordenamento jurídico atual, por exemplo, os crimes de pedofilia e abuso sexual por total ausência de previsão normativa”, destacando que “todo crime sexual é um abuso sexual, mas o crime de ‘abuso sexual’, propriamente dito, não existe.”

Na sequência, Caramigo – que não é especialista na área comportamental, como este que vos escreve – apresenta uma série de alegações frágeis amparado em concepções questionáveis de órgãos como a Organização Mundial de Saúde (OMS), frutos da noção de que a pedofila seria uma “doença”.

Ele, aliás, repete o mantra ecoado em muitas salas universitárias, de que a pedofilia “não tem cura”, declaração essa tão estética quanto às centenas de classificações psicopatológicas que constam no Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, e que só servem – não tudo – para rotular indivíduos e criar demanda para a indústria farmacêutica.

“A pedofilia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é uma doença em que o indivíduo possui um transtorno psicológico e, assim sendo, apresenta um desejo, uma fantasia e/ou estímulo sexual por crianças pré-púberes”, reverbera o advogado.

Caramigo então reproduz o pensamento que se tornou comum nos círculos do ativismo sexual: o de que pedófilo se diferencia do abusador! De fato, no âmbito jurídico, nenhum pedófilo pode ser acusado de crime sem que consuma os seus desejos, quer mediante contato físico, verbal ou até mesmo virtual, como através do compartilhamento de imagens íntimas de menores.

“Vale a observação de que em nenhum momento exige-se que o pedófilo tenha contato físico com a ‘vítima’ e, assim sendo, a pedofilia pode exteriorizar-se em diversas formas”, sustenta o ilustre advogado.

“Ninguém pode ser punido criminalmente por ter alguma doença, porém, quando o pedófilo (quem tem pedofilia) exterioriza a sua patologia e essa conduta se amolda em alguma tipicidade penal, estará caracterizado o crime (da tipicidade incorrida e não de pedofilia)”, conclui Caramigo.

“Pedofilia sempre existiu”

No argumento de Caramigo temos o exemplo de como o ativismo pedófilo conseguiu avançar em dois dos seus objetivos: patologizar o desejo sexual por menores e relativizá-lo sob o prisma cultural.

Isso, porque, como diz o advogado, “ninguém pode ser punido criminalmente por ter alguma doença”.

Com o escudo da “doença”, o pedófilo tem margem para avançar no terreno do desejo, ciente de que em algum momento poderá cometer abuso, e que se tal coisa acontecer ele será tratado como um doente e não como um criminoso. Isso soa bem melhor, certo?

O faz-de-conta que não há maldade intrínseca nos seres humanos e o interesse de grupos muito poderosos na legalização da pedofilia é o que alimenta a ideia de que a perversidade do abuso sexual infantil é fruto de uma “doença”, e não de índoles criminosas, de fato.

A culturalização da pedofilia, como algo que “sempre existiu”, é outro artifício atualmente bem consolidado pela narrativa do ativismo pedófilo, presente também nos setores acadêmicos, como observamos na palestra do Dr. Ceccarelli.

Tais indivíduos ignoram séculos de evolução cultural, ética e moral, fazendo parecer que a mera constatação histórica de costumes antigos serve para nós como parâmetro do que poderia ser a legitimação de condutas e pensamentos atualmente considerados deploráveis.

Ora, esses costumes, muitos dos quais bem observados por Timothy Taylor em “A Pré-História do Sexo” (1997), foram abandonados não por acaso, mas justamente porque entendemos, no decorrer das gerações, a importância de deixá-los. Do contrário, práticas como a escravidão, a Lei de talião e a caçada tribal estariam em vigor até hoje.

A narrativa de que “a pedofilia sempre existiu”, portanto, não passa de um argumento contraditório em si mesmo e carregado de intenções implícitas, assim como o discurso de que essa índole perversa não passa de uma “doença incurável” é, também, uma afirmação especulativa e em nada conclusiva no campo da ciência.

Entretanto, para entender melhor a razão pela qual a pedofilia não é uma doença, você precisa ler: Pedofilia é doença? Entenda a estratégia do ativismo pedófilo por trás dessa mentira

Pedófilo e abusador: duas faces da mesma moeda?

Na publicação do advogado Denis Caramigo também vemos reproduzida outra ideia central promovida pelo ativismo pedófilo: a de que o pedófilo se diferencia do abusador!

Ora, essa alegação é puramente estética! A ferramenta linguística aqui tem como objetivo produzir uma visão confusa e complacente para com a figura do pedófilo, que em essência é um abusador em potencial e tem como principal desejo essa finalidade.

A ideia transmitida é a de que o pedófilo é alguém que luta contra o seu desejo e, portanto, um sujeito em “sofrimento psíquico”, como sustenta o professor Ceccarelli, enquanto, por outro lado, o abusador seria alguém sem freios, focado constantemente em dar vazão aos seus desejos, cometendo o abuso.

Esse divisionismo, no entanto, mascara o fato de que todo abusador é um pedófilo, assim como todo pedófilo, muito embora possa não cometer abuso algum, é um abusador em potencial.

O defensor dessa diferenciação estética, a fim de sustentar a sua posição, argumenta que o pedófilo é alguém capaz de realmente “amar” a criança, e que por isso, supostamente diferente do abusador, não violaria a liberdade da criança, uma vez que não sentiria prazer em seu sofrimento.

O abusador, por outro lado, seria o sujeito que não enxerga limites e tem por único objetivo satisfazer os próprios desejos, custe o que custar. O leitor atento já percebeu onde iremos chegar? Já notou qual é a intenção implícita nessa narrativa de diferenciação entre “pedófilo” e “abusador”?

A ideia é: se há “amor” legítimo do pedófilo para com a criança, e esta criança, por sua vez, consentir em ser “amada” e em se relacionar com o pedófilo, então qual é o problema? Afinal, crianças não têm direitos sexuais? Crianças não têm o direito de fazer escolhas?

É exatamente por isso que há inúmeras iniciativas no campo político e acadêmico que visam discutir e garantir os “direitos sexuais de crianças e adolescentes”. Veja aqui, aqui e aqui algumas dessas narrativas.

A princípio, o leitor menos atento deixará se levar pela ideia de que a discussão sobre esse tema visa combater justamente o abuso sexual, certo? Observe pelos exemplos indicados.

Ora, ninguém falará que esse discurso é fruto de uma engenharia social antiga e muito bem articulada que tem por finalidade, como já declarou a feminista Shulamith Firestone em “A Dialética do Sexo”, dar “autonomia sexual” aos menores, mas que para isso é necessário falar em “direitos”, “proteção” e “educação”.

Assim como o pedófilo sabe se aproximar e abusar do menor debaixo do nariz dos seus parentes, utilizando muitas vezes a confiança e a imagem de “protetor”, eles também aplicam essa mesma estratégia por trás de tais iniciativas. Por isso, não se iluda com a ideia de que falar sobre “direitos sexuais das crianças e adolescentes” visa a proteção do menor.

Isto não significa que qualquer pessoa ou evento envolvida/o com o tema tem alguma relação com a pedofilia. Na verdade, muitas dessas pessoas são apenas fantoches do ativismo pedófilo, às quais sem perceber fazem por eles o trabalho de asfaltagem para que cheguem aos seus objetivos.

Conclusão

Declarar que a pedofilia não é crime, mas sim uma doença, favorece o ativismo pedófilo, distorce a problemática da questão nos âmbitos jurídico e moral, visto que embora não tipificado etimologicamente como “pedofilia”, o crime de abuso sexual contra menores e vulneráveis é claro no Código Penal Brasileiro.

A ênfase no quesito “doença”, como vimos, não reflete com precisão todo o conhecimento científico que temos a respeito do assunto, mas apenas uma visão parcial dele e de viés psiquiátrico. A psiquiatria não fala pela ciência e seus ramos, como a psicologia. Fala por si!

A diferenciação entre pedófilo e abusador é um artifício muito mais linguístico do que factual, e dado o tamanho da sua subjetividade, estético. Todo abusador sexual de menores é um pedófilo, dado à natureza do seu desejo e prática.

Mas nem todo pedófilo é um abusador, certo? Sim, mas se cometer o abuso, o que ele passa a ser? Abusador e pedófilo, só abusador ou continua sendo apenas pedófilo? Ora, esse mar de conceitos subjetivos demonstra o quanto essa diferenciação é artificial e insustentável diante do mundo real.

O pedófilo que não cometeu abuso e luta contra os seus desejos deve ser acolhido no campo da psicologia, a fim de que possa compreender a natureza dos seus pensamentos, sentimentos e construção psíquica.

Inúmeros fatores estão envolvidos na modelagem dos desejos e até mesmo da orientação sexual, e isto não é diferente no caso da pedofilia. Há um campo de sofrimento que envolve os abusadores de qualquer espécie, sim, mas ele não se confunde com o sofrimento das suas vítimas.

Assim, o pedófilo que, por outro lado, comete abuso, deve ser tratado no campo judicial, sendo punido pelo crime praticado, exatamente como qualquer outra pessoa que por inúmeros fatores de ordem psicológica também é capaz de praticar crimes, inclusive o assassinato, e nem por isso são tratadas como doentes.